Fim do maior lixão do Rio abre discussão sobre futuro dos catadores
Em gradual processo de fechamento e com redução progressiva da entrada de caminhões desde que finalmente foi batido o martelo pela sua desativação há um ano, Gramacho recebe cerca de 2,5 mil toneladas de lixo do Rio e dos municípios vizinhos por dia, quantidade quatro vezes menor do que a recebida há alguns anos, quando estava no auge. Segundo estimativas da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb), a separação manual do lixo no aterro movimenta R$ 24 milhões por ano. O número de catadores que trabalham ali, segundo a Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho (ACAMJG), já foi superior a 1,8 mil pessoas.
Os números bastam para dimensionar o problema. O que os catadores irão fazer após o fim do lixão? O impasse em torno dessa questão já provocou até mesmo o adiamento da desativação de Gramacho, antes prevista para 23 de março. Inicialmente, o combinado era que o consórcio Nova Gramacho Energia Ambiental, que captura e comercializa com a Petrobras o gás metano produzido no aterro, indenizaria os catadores em 14 parcelas anuais de R$ 1,5 milhão que seriam destinadas ao Fundo de Valorização dos Catadores. A medida, no entanto, jamais agradou aos catadores, que queriam o pagamento do total de R$ 21 milhões de forma imediata.
Dado o impasse, o fim de Gramacho foi adiado em dois meses e a prefeitura do Rio resolveu assumir o compromisso de destinar imediatamente os R$ 21 milhões ao Fundo de Valorização, deixando para mais tarde uma negociação de compensação com a Nova Gramacho Energia Ambiental. O anúncio foi feito após uma reunião do prefeito Eduardo Paes com o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, na qual prevaleceu a visão de que estender o impasse com os catadores e adiar a solução para Gramacho até a Rio+20 seria ruim para a imagem do país e da cidade durante a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, marcada para junho.
Imediatamente após a decisão da prefeitura, instalou-se a disputa pela gestão do Fundo de Valorização dos Catadores. A ACAMJG tem até 25 de abril para enviar a lista dos futuros beneficiários, medida sem a qual o fundo não poderá ser criado. Um primeiro cadastro chegou a 1.914 beneficiários, número que provocou a criação de uma comissão formada por onze lideranças dos catadores encarregados de rever a lista. “Muita gente se cadastrou apenas porque mora no bairro. Tem nome aqui que não é de catador”, resume Tião Santos, que é presidente da ACAMJG e tornou-se celebridade instantânea ao participar do filme “Lixo Extraordinário”, de Vik Muniz, que concorreu ao Oscar.
Cooperativas e Conselho
A ideia inicial é que os catadores se dividam em cooperativas para receber os benefícios do Fundo de Valorização, mas ainda não está definido de que forma se dará a relação destas cooperativas com a ACAMJG. A única definição até aqui é que, para ter acesso aos recursos, cada catador terá de abrir uma conta na Caixa Econômica Federal, que instalará na próxima semana um posto avançado em Jardim Gramacho.
O governo do Rio, por intermédio da Secretaria Estadual do Ambiente, anunciou a criação de um Conselho Gestor para administrar os recursos do Fundo de Valorização. O conselho, segundo portaria publicada pela secretaria, terá dez membros: cinco cadeiras serão ocupadas por representantes dos catadores e as demais por representantes das secretarias estaduais do Ambiente e da Assistência Social, das secretarias municipais do Ambiente e da Assistência Social em Duque de Caxias e do Ministério Público Estadual.
Estar no conselho gestor passou a ser alvo de cobiça política, e os nomes que o comporão ainda não foram definidos. A presidência do colegiado, segundo o governo, deverá ser ocupada por Tião Santos, liderança que já vem sendo cortejada por diversos partidos políticos de olho em futuras eleições.
De acordo com o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, outra medida a ser concretizada nas próximas semanas, fruto de uma parceria com o governo federal, é a criação de cursos de formação e capacitação para os catadores e seus familiares através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “As aulas serão ministradas nas unidades do Senai e do Senac em Duque de Caxias”, diz Minc. O secretário também anuncia para breve a montagem de um polo de reciclagem de resíduos sólidos em Jardim Gramacho: “Já temos R$ 5,5 milhões destinados à construção de três galpões e à compra de equipamentos para o processamento dos detritos”.
Trunfo ambiental
Na ótica das três esferas de governo, a desativação da bomba-relógio ambiental em Gramacho pode se tornar um trunfo durante a Rio+20, onde seria apresentada como modelo exemplar de substituição de um lixão sem tratamento de resíduos por modernos aterros sanitários. Além disso, de acordo com o contrato firmado com a Comlurb e a Nova Gramacho Energia Ambiental, a queima do gás metano em Gramacho nos próximos anos irá gerar créditos de carbono no mercado internacional. Empresas da Alemanha e do Japão já teriam demonstrado interesse, e a expectativa é de que negócios possam ser fechados durante a Rio+20.
O ganho ambiental é inquestionável. Em operação desde 1976 e com 60 milhões de toneladas de lixo acumulado, o aterro de Gramacho está localizado em um terreno argiloso e cercado por manguezais, um dos últimos lugares onde se deveria pensar em instalar um lixão. Às margens da Baía de Guanabara, a área de 1,3 milhão de metros quadrados é vizinha os rios Iguaçu e Sarapuí, que cortam seis municípios da Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita e Belford Roxo).
Segundo a Prefeitura do Rio, cerca de 7,5 mil toneladas de lixo diárias produzidas na cidade passarão a ser despejadas no Centro de Tratamento de Resíduos de Seropédica, enquanto outras duas mil toneladas diárias seguirão para o Aterro Sanitário de Gericinó, que já vinha sendo utilizado para desafogar Gramacho. Nos novos destinos, os resíduos são compactados e enterrados em diversas camadas, e é tratado o chorume (caldo resultante da decomposição da matéria orgânica). Nos sistemas modernos, no entanto, não há espaço para catadores.
Fonte: Rede Brasil Atual
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